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                   Os Poetas

 

 

Alfredo Marceneiro tinha uma sensibilidade muito especial para escolher os fados que cantava e, a partir de certa altura, eram os poetas que o assediavam para que interpretasse os seus poemas.

 

No trimensário de literatura e poesia - porta-voz do fado - "Guitarra de Portugal", edição de 10 de Novembro de 1926, escreve o seu director, também ele um grande poeta do fado, João Linhares Barbosa, demonstrando bem o que atrás se afirmou:

" - Alfredo Duarte - Este sentimental fadista é um dos mais completos da actualidade. Desde o fado em que poetas compõem o verso francês - Alexandrino - até ao correntio, mas saudoso, fado corrido, a sua voz é sempre cariciosa e de uma ternura inigualável; tem-nos sensibilizado até às lágrimas; é o cantador chocante das plateias.

 

Os versos de Henrique Rêgo, que actualmente canta, têm a expressão que o autor lhes imprime. Feliz do poeta que tem tal executor dos trabalhos.

 

 

Para traçar o perfil fadista do Alfredo Marceneiro, a pena não hesita; corre ligeira e firme, como se estivéssemos fazendo o elogio dum grande artista.

 

Os fados e os versos cantados pela garganta deste sentimental trovador, tornam-se conhecidos do povo.

É que ele, com a sua plangencia, deixa nas bocas dos que o escutam, o sabor doce da Canção Lusitana.

É um verdadeiro fadista!..."

 

Nas suas deambulações pelos retiros de Fado certo dia foi convidado para uma «patuscada» no Carioca da Trindade, mais conhecido por "Coimbra", situado no Largo da Abegoaria, hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro.

 

Alfredo cantou e foi aplaudido com bastante entusiasmo, tendo havido alguém que, quando ele cantou o "Fado Dois Tons", com invulgar sentimento não resistiu a ir abraçá-lo e com os olhos rasos de lágrimas apresentou-se dizendo:

- Você não me conhece, mas de hoje em diante faço questão de ser seu amigo pois comoveu-me profundamente ouvi-lo cantar. Chamo-me Manuel Rêgo, sou poeta, escrevo letras para fado e terei muito gosto em dar-lhe alguns dos meus poemas.

Assim começou uma amizade que durou anos, tendo Manuel Rêgo escrito para Alfredo Duarte alguns poemas que fizeram parte do seu reportório dessa época.

 

Quando Manuel Rêgo adoeceu, logo Alfredo e outros amigos lhe organizaram uma festa de solidariedade, como homenagem ao poeta e companheiro.

 

E um dia, que não mais esquece, deram-lhe a notícia que o seu amigo Manuel Rêgo tinha falecido, vítima de uma «galopante».

Sucumbido com a notícia que lhe parecia inacreditável, Alfredo ficou de tal forma sentido que durante 2 dias não saiu de casa.

Quando voltou à oficina, decidiu fazer uma cruz em madeira e foi ao cemitério colocá-la na campa onde jazia o amigo.

 

Era uma homenagem singela, mas não a última, pois continuou pela vida fora homenageando-o ao cantar seus versos e, acima de tudo, mantendo-o bem vivo na memória, tal como vezes sem conta o referiu.

 

Dos muitos poetas que para ele escreveram, Henrique Rêgo foi decerto o que mais admirou e de quem mais poemas interpretou. Mas no início desta relação houve um episódio que Alfredo relembrava:

 

Henrique Rêgo afirmou certo dia, numa das reuniões de poetas, cantadores e tocadores onde se debatia o fado e que estes intitulavam de "concílios poéticos":

- Os versos só tinham valor e eram sentidos quando escritos ou recitados, mas que nunca poderia senti-los quem os cantasse.

Alfredo Marceneiro, que estava presente, ao ouvir tal afirmação discordou firmemente, solicitando ao guitarrista Henrique Simas que tocasse o velho fado «Alexandrino». Então cantou um fado de autoria do próprio Henrique Rêgo. Este ao ouvir os seus versos cantados com tal sentimento e intuição, comovido disse:

- Isto define um cantador... Retiro o que tinha dito!

 

Deve ter sido a partir desta altura que a amizade entre ambos mais se cimentou. Henrique Rêgo veio a ser seu compadre, pois fez questão de ser padrinho de baptismo da sua filha Aida.

Certo dia perguntaram-lhe a sua opinião sobre Alfredo Marceneiro, ao que ele respondeu em verso:

 

Como existe compadrio
Entre mim e «Marceneiro»,
O meu maior elogio
É dizer, abertamente,
Que este fadista afamado
Inebria toda a gente
Que gosta de ouvir o Fado!...

 

Outro Poeta que Marceneiro cantou foi Carlos Conde que sobre ele escreveu:

 

Marceneiro é só ele,
Não precisa ir mais além,
P'ra assinar a mais fiel
Legenda que o Fado tem!

 

É interessante verificar que Carlos Conde, poeta muito "censurado", durante os anos da 2ª Guerra Mundial escreve um poema considerado bastante patriota na época, mas que, à luz dos dias de hoje, poderá ser considerado "reaccionário":

 

SANGUE DE HERÓIS

 

Se é de longe que tu vens
Dum País onde se abraça
O amor a fé e a nobreza
Podes entrar, porque tens
Um abrigo em cada casa
Um lugar em cada mesa

 

Mas se trazes a divisa
De te impor de interceder
Por favor deixa-nos sós
O meu País não precisa
Que outros venham resolver
As questões que há entre nós

 

Se vens com torvo ideal
Ou com o fito de abrir guerra
Leva contigo os maus trilhos
E diz lá que Portugal
Não cede um palmo de terra
Nem vende a honra dos filhos

 

Diz ao Mundo, grita aos Sóis
Enche o Céus da nossa glória
Num clarão vasto e fecundo
Que só com sangue de heróis
Portugal ergueu a história
Nas cinco partes do Mundo

 

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