Musicas & Letras
Alfredo Marceneiro foi um 'genial interprete', reconhecido pela esmagadora maioria dos amantes do fado até à geração nascida na década de 50 e foi também o maior criador de estilos (como ele dizia) para Fado (não existirá até hoje ninguém com mais musicas de FADO), pois são de sua autoria muitas das mais bonitas músicas (não há sitio onde se cante fado e não se cantem musicas do Marceneiro) como por exemplo:
'Marcha do Alfredo Marceneiro', o 'Fado menor com versículo', 'Fado Cravo', 'Lembro-me de ti', 'Mocita dos Caracóis', 'Fado Balada', 'Fado Bailarico', 'Bêbado Pintor', 'Fado Pierrot', 'Fado Cuf', 'Fado Aida', 'Fado Louco', 'Fado Laranjeira', 'Fado Maria Marques', 'Menina do Mirante', 'Fado Odeon', 'Fado Pagem', 'Fado Cabaré', 'Fado Bailado' e muitas mais.
Outras musica que cantou, Fado menor, Bairros de Lisboa, Amor de mãe, Despedida, Remorso, Bailado das Folhas,
A Casa da Mariquinhas, Leilão da Mariquinhas,
É com a ajuda do Armandinho aquele que foi considerado um dos maiores guitarristas da sua época, que Alfredo Marceneiro regista as suas músicas na Sociedade de Escritores e Autores Teatrais Portugueses. É este que lhe escreve em pauta as suas criações, "estilos", musicais.
É o Armandinho que cria a introdução inicial, acompanhou como ninguém, desenvolvendo os mais elaborados contra cantos, um maior diálogo com a viola, mas também com os fadistas, quando um fadista é acompanhado por um grande acompanhante estabelece-se um diálogo entre os dois, Armandinho é o maior acompanhador de todos os tempos (um grande tecnicista raramente é um grande acompanhador, porque não tem sensibilidade para acompanhar) porque tinha uma característica muito especial, deixava cantar, quando a voz estava a cantar não se sobrepunha à voz, fazia pequenos contra cantos que ajudavam a realçar a linha melódica, respirava com os fadistas, portanto se o fadista de repente se atrasava ou acelerava sabia que a guitarra o acompanhava, depois tinha pequenas passagens melódicas que inseria entre as frases da voz, portanto havia uma espécie de diálogo de pergunta e resposta entre o canto e a guitarra e dava-se a tal cumplicidade que não acontecia com a maioria dos guitarristas, tinha um ouvido muito especial para as improvisações dos fadistas aquilo a que no fado se chama estilar, ir improvisando linhas melódicas com tanta força que se transforma num fado, o Armandinho é a bíblia da guitarra de Lisboa.
Um grande tecnicista da guitarra não tem a sensibilidade para acompanhar o improviso e a interpretação que são a alma do fado, pena é que a grande maioria dos actuais fadistas não interpretem, não improvisem, criam uma forma e sai sempre igual, mecanizado, é isto que se vende hoje.
Muitos outros guitarristas o acompanharam, como o Carlos da Maia, Júlio Correia, José Marques (Piscalareta), Fernando Freitas, Raul Nery, Jaime Santos, Francisco Carvalhinho, Fontes Rocha, José Nunes etc.. Violistas como o Abel Negrão, João da Mata, Alfredo Marques, Martinho da Assunção, Armando Machado etc., foram outros grandes nomes associados aos fados de Marceneiro.
Alfredo Marceneiro afirmando que para ele o Armandinho foi o mais importante guitarrista na 'história do fado'
Todas as noites nas 'casas de fado' se cantam músicas de Alfredo Marceneiro...
No programa da RTP 'Marceneiro é só fado' (1969) Alfredo Marceneiro explica que para ele o estilo é em função da Letra, segundo ele o poema é que o obriga a cantar naquele estilo e demonstra três Versos que canta no 'fado corrido', cada Letra tem uma expressão e um estilo. 'A casa da Mariquinhas', o 'moinho desmantelado' e a 'menina do mirante'. Foi esta postura no fado que o tornou diferente, eu nunca ouvi ninguém ter esta explicação sobre o FADO.
Certo dia no "Cachamorra", Alfredo Marceneiro acompanhado pelo poeta Henrique Rêgo, de quem entretanto se tornara amigo e que tinha passado a ser o seu poeta preferido, foi desafiado por um grande fadista dessa época, Manuel Maria, para cantarem ao desafio, ao som do Fado Corrido tocado em «marcha». Alfredo aceitou e Manuel Maria cantou primeiro, dando um estilo que passou a chamar-se de "Marcha do Manuel Maria" (nos fados clássicos o fadista escolhe o tom, para melhor poder improvisar o seu estilo).
Enchendo-se de brios, Alfredo pediu que o acompanhassem no mesmo tom e improvisou de tal maneira que criou, também ele, um novo estilo.
Nasceu então uma das suas mais lindas músicas, considerada hoje, um dos grandes clássicos do Fado.
Em casa de João Ferreira Rosa (em Pinteus) com José Pracana, João Braga, João Ferreira Rosa e Teresa Silva Carvalho.
Explicando como criou a musica 'a marcha do Marceneiro'.
"MARCHA DE ALFREDO MARCENEIRO"
AMOR É AGUA QUE CORRE
Letra: Augusto de Sousa
Música: A Marcha de Alfredo Marceneiro
Amor é água que corre
Tudo passa, tudo morre
Que me importa a mim morrer
Adeus cabeçita louca
Hei-de esquecer tua boca
Na boca d'outra mulher
Amor é sonho, é encanto
Queixa, mágoa, riso ou pranto
Que duns lindos olhos jorre
Mas tem curta duração
Nas fontes da ilusão
Amor é água que corre
Amor é triste lamento
Que levado p'lo vento
Ao longe se vai perder
E assim se foi tua jura
Se já não tenho ventura
Que me importa a mim morrer
Foi efémero o desejo
Do teu coração que vejo
No bulício se treslouca
Onde nascer a indiferença
Há-de morrer minha crença
Adeus cabeçita louca
Tudo é vário neste mundo
Mesmo o amor mais profundo
De dia a dia se apouca
Segue a estrada degradante
Que na boca d'outra amante
Hei-de esquecer tua boca
Hei-de esquecer teu amor
O teu corpo encantador
Que minha alma já não quer
Hei-de apagar a paixão
Que me queima o coração
Na boca d'outra mulher
Temos neste vídeo a prova, de quando existe um casamento perfeito entre as guitarras e o fadista o fado pode ser comovente, Alfredo Marceneiro em 1976 e com 85 anos de idade, na casa de João Ferreira da Rosa canta desta maneira que põe quem o ouve religiosamente, de lágrima no olho, a entrada da guitarra duma forma brilhante faz com que marceneiro se inspire e se motive e podemos ver ao longo da interpretação a sua feliz expressão por aquilo que os músicos lhe estão a oferecer.
Podemos ver no publico Teresa Silva Carvalho e na ultima imagem do vídeo Argentina Santos limpando uma lágrima teimosa. Extraordinário momento fadista igual a muitos outros que marceneiro ao longo da sua carreira proporcionou aos admiradores e seguidores.
Guitarras - Fontes Rocha e José Pracana. Violas - Francisco Peres (Paquito) e José Carlos da Maia
Pauta da musica da 'Marcha de Alfredo Marceneiro'
FADO BALADA
Letra: Silva Tavares
Música: Alfredo Marceneiro
Conta uma linda balada
Que um rei, dum reino sem par
Vendo morta a sua amada
Quis o seu seio moldar
E por molde, modelada
Depois de gasto um tesouro
Nasceu a graça encantada
Duma taça toda d'ouro
E quando por ela bebia
Morto por se embriagar
Saudoso, triste sorria
Com vontade de chorar
Certa noite imaculada
à luz do luar divino
Deixou a corte pasmada
E fez-se ao mar sem destino
No mar ansiando a graça
De com a morta se juntar
Bebeu veneno p'la taça
Atirou a taça ao mar
Ao seu seio não há nada
Que se possa igualar
Nem a taça da balada
Que jaz no fundo do mar
Alfredo Marceneiro Cantando 'Fado Balada'
Pauta e registo da musica do 'Fado Balada'
MOCITA DOS CARACÓIS
Letra: João Linhares Barbosa
Música: Alfredo Marceneiro
Mocita dos caracóis
Não me deixes minha querida
Não ouves os rouxinóis
A cantarem como heróis
A história da nossa vida
Se abalares da nossa herdade
Os teus encantos destróis
Irás atrás da vaidade
Que a moda lá na cidade
Não tem desses caracóis
Teu cabelo é lindo e loiro
De caracóis verdadeiros
Na cidade esse tesouro
É comprado a peso d'ouro
Nos grandes cabeleireiros
A tua saia redonda
Bordada de girassóis
P'ra tua escultura bonda
Serei sempre a tua ronda
Mocita dos caracóis
Dá-me a tua mocidade
Que eu dou-te a minha depois
Não queiras ir p'rá cidade
Porque eu morro de saudade
Mocita dos caracóis
Pauta da musica 'Mocita dos Caracóis'
Foi feito um registo em 1956 e um novo registo em 1967 e o primeiro registo tem a indicação de a musica ter sido feita em 1938
Alfredo Marceneiro canta 'Mocita dos Caracóis
MENINA DO MIRANTE
Letra de: Henrique Rego
Musica de: Alfredo Marceneiro
Menina lá do mirante,
Toda vestida de cassa,
Deite-me vista saudosa
E um adeus da sua graça.
A menina é o retrato,
Sem mesmo tirar nem pôr,
De quem me prendeu de amor
Nas festas de São Torcato.
Tem mesmo um olhar gaiato,
Expressivo, embriagante,
E essa boca insinuante,
Onde a alegria perdura,
É romã fresca madura,
Menina lá do mirante
Anda a brisa, com desvelo,
Perfumada a lúcia-lima,
A saltitar-lhe por cima
Dos anéis do seu cabelo.
Abençoado modelo
De mulher da minha raça!...
Pois toda a gente que passa
Olha os céus e diz ao vê-la,
A menina é uma estrela
Toda vestida de cassa.
O meu amor vá um dia
À minha terra e verá
Que do seu mirante lá
É um voo de cotovia.
Verá como se extasia
Ante a paisagem formosa,
Que se estende graciosa,
Num encanto sem limite!...
Caso aceite o meu convite
Deite-me vista saudosa.
No domingo há procissão,
Com andores dos mais ricos,
Bodo aos pobres, bailaricos,
Fogo preso, animação.
Lá encontra um coração
Que de amor se despedaça,
Portanto, a menina faça
Esse coração vibrar,
Dando-lhe um simples olhar
E um adeus da sua graça
Menina lá do Mirante, musica de Alfredo Marceneiro e Letra de Henrique Rego
A cantar no Solar de João Ferreira com 85 anos acompanhado à guitarra por José Pracana, Fontes Rocha e à viola por Francisco Peres (Paquito) e José Carlos da Maia
BÊBADO PINTOR
Letra: Henrique Rego
Música: Alfredo Marceneiro
Encostado sem brio ao balcão da taberna
De nauseabunda cor e tábua carcomida
O bêbado pintor a lápis desenhou
O retrato fiel duma mulher perdida
Era noite invernosa e o vento desabrido
Num louco galopar ferozmente rugia,
Vergastando os pinhais, pelos campos corria,
Como um triste grilheta ao degredo fugido.
Num antro pestilento, infame e corrompido,
Imagem de bordel, cenário de caverna,
Vendia-se veneno à luz duma lanterna
À turba que se mata, ingerindo aguardente,
Estava um jovem pintor, atrofiando a mente,
Encostado sem brio ao balcão da taberna.
Rameiras das banais, num doido desafio,
Exploravam do artista a sua parca féria,
E ele na embriaguez do vinho e da miséria,
Cedia às tentações daquele mulherio.
Nem mesmo a própria luz nem mesmo o próprio frio,
Daquele vazadouro onde se queima a vida,
Faziam incutir à corja pervertida,
Um sentimento bom d’amor e compaixão,
P’lo ébrio que encostava a fronte ao vil balcão,
De nauseabunda cor e tábua carcomida.
Impudica mulher, perante o vil bulício
De copos tilintando e de boçais gracejos,
Agarrou-se ao rapaz, cobrindo-o de beijos,
Perguntando a sorrir, qual era o seu oficio,
Ele a cambalear, fazendo um sacrifício,
Lhe diz a profissão em que se iniciou,
Ela escutando tal, pedindo-lhe alcançou
Que então lhe desenhasse o rosto provocante,
E num sujo papel, o rosto da bacante
O bêbado pintor com um lápis desenhou.
Retocou o perfil e por baixo escreveu,
Numa legível letra o seu modesto nome,
Que um ébrio esfarrapado, com o rosto cheio de fome,
Com voz rascante e rouca à desgraçada leu,
Esta, louca de dor, para o jovem correu,
E beijando-lhe o rosto, abraço-o de seguida...
Era a mãe do pintor, e a turba comovida,
Pasma ante aquele quadro, original, estranho,
Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho:
O retrato fiel duma mulher perdida.
Este fado é a 'matriz' dum poema para fado, tem uma história e um personagem (neste caso dois), não tem refrão, se tiver refrão é marcha, balada ou canção e também podem reparar que a letra não pôde ser metida toda no 'disco', só colocaram as duas ultimas décimas, um dos motivos porque Marceneiro entendia que a gravação tirava o sentido ao fado
VIELA
Letra de: Guilherme Pereira da Rosa
Música: Alfredo Marceneiro (Fado Cravo)
Fui de viela em viela
Numa delas, dei com ela
E quedei-me enfeitiçado...
Sob a luz dum candeeiro,
Estava ali o fado inteiro,
Pois toda ela era fado.
Arvorei um ar gingão,
Um certo ar fadistão
Que qualquer homem assume.
Pois confesso que aguardei
Quando por ela passei
O convite do costume.
Em vez disso no entanto,
No seu rosto só vi pranto,
Só vi desgosto e descrença.
Fui-me embora amargurado
Era fado, mas o fado,
Não é sempre o que se pensa.
Ainda recordo agora
A visão, que ao ir-me embora
Guardei da mulher perdida.
Na pena que me desgarra
Só me lembra uma guitarra
A chorar penas da vida.
Pauta da Musica do 'Fado Cravo'
musica em que canta o 'Fado Viela'
Em 1976 com 85 anos (88) em casa do João Ferreira Rosa, cantando o 'Fado Viela' na musica do Fado Cravo
FADO CRAVO
Letra: Fernando Teles
Música: Alfredo Marceneiro
Foi em noite de luar
Na noite de São João
Que eu te vi, oh minha amada
No baile foste meu par
E dei-te o meu coração
Foste minha namorada
Andámos na roda os dois
E saltamos à fogueira
Meu peito era uma brasa
Findou o baile e depois
Foste minha companheira
Levei-te p´ra minha casa
Nessa madrugada santa
Por meu mal me deste um cravo
No lado esquerdo o guardei
Minha paixão era tanta
Fui do teu capricho escravo
Eterno amor te jurei
Foram dias decorrendo
Semanas, um ano feito
De amor eu tinha a fragrância
Mas o cravo murchecendo
Revelava que o teu peito
Não tinha a mesma constância
Numa noite, ao conhecer
Mentira no teu amor
De raiva desfiz o cravo
Não mais quis por ti sofrer
Deitei fora a murcha flor
Deixei de ser teu escravo
Foi para esta Letra que deu nome à musica que Alfredo Marceneiro a criou em 1929, cantando posteriormente outras Letras nesta musica
LARANJEIRA FLORIDA
Letra: J. César Valente
Música: Alfredo Marceneiro
(Fado Laranjeira)
A eterna laranjeira
Ainda pequenina
Onde poisava o melro
Ao declinar do dia
Depois de te beijar
A boca purpurina
Um nome ali gravei
O teu nome Maria
Em volta um coração
também com arte e jeito
Ao circundar teu nome
A minha mão gravou
Esculpi-lhe uma data
E o trabalho feito
Como selo de amor
No tronco lá ficou
Mas no rugoso tronco
Eu vejo com saudade
O símbolo do amor
Que em tempos nos uniu
Cadeia de ilusões
Da nossa mocidade
Que o tempo enferrujou
E que depois partiu
E à linda laranjeira
Altar pregão d´amor
Que tem a cor da esperança
A cor das esmeraldas
Vão as noivas colher
As simbólicas flores
Para tecer num sonho
As virginais grinaldas
Pauta da musica do 'Fado Laranjeira'
Foi feito um registo em 1956 e um novo registo em 1967 e o segundo registo tem a indicação de a musica ter sido feita em 1938
Alfredo Marceneiro Canta o 'Fado Laranjeira'
LEMBRO-ME DE TI
Letra: João Linhares Barbosa
Música: Alfredo Marceneiro
Eu lembro-me de ti
Chamavas-te Saudade
Vivias num moinho
Tamanquinha no pé
Lenço posto à vontade
Nesse tempo eras tu
A filha dum moleiro
Eu lembro-me de ti
Passavas para a fonte
Pousando num quadril
O Cantaro de barro
Imitavas em graça
A cotovia insonte
E mugias o gado
Até encheres o tarro
Eu lembro-me de ti
E às vezes a farinha
Vestia-te de branco
E parecias então
Uma virgem gentil
Que fosse à capelinha
Um dia de manhã
Fazer a comunhão
Eu lembro-me de ti
E fico-me aturdido
Ao ver-te pela rua
Em gargalhadas francas
Pretendo confundir
A pele do teu vestido
Com a sedosa lã
Das ovelhinhas brancas
Eu lembro-me de ti
Ao ver-te num casino
Descarada a fumar
Luxuoso cigarro
Fecho os olhos e vejo
O teu busto franzino
Com o avental da cor
Do cantaro de barro
Eu lembro-me de ti
Quando no torvelinho
Da dança sensual
Passas louca rolando
Eu sonho eu fantazio
E vejo o teu moinho
Que bailava tambem
Ao vento assobiando
Eu lembro-me de ti
E fico-me a sismar
Que o nome de Lucy
Que tens não é verdade
Que saudades eu tenho
E leio no teu olhar
A saudade que tens
De quando eras Saudade
Pauta do Fado 'Lembro-me de ti' com registo em 1967
Alfredo Marceneiro Cantando 'Lembro-me de ti'
LOUCO
Letra: Henrique Rêgo
Música: Alfredo Marceneiro
Quisestes que eu fosse louco
P'ra que te amasse melhor
Mas amaste-me tão pouco
Que eu fiquei louco de amor
Assim arrasto a loucura
Perguntando a toda a gente
Se do amor, a tontura
Um louco também a sente
E se quiseres amar
Esta loucura mulher
Dá-me apenas um olhar
Que me faça endoidecer
Dá-me um olhar mesmo triste
Pois só nesta condição
Dou-te a loucura que existe
Dentro do meu coração
O lenço que me ofertaste
Tinha um coração no meio
Quando ao nosso amor faltaste
Eu fui-me ao lenço e rasguei-o
Pauta da musica do 'Fado Louco' registado em 1959 com referencia que foi composto em 1929
Foi esta Letra que deu nome à musica, mas Marceneiro não gravou esta musica com esta Letra, gravou com a Letra 'Ironia' ou (Na vida duma Mulher)
'Ironia ou Na vida duma Mulher'
Letra de Armando Neves
Musica do 'Fado Louco' de Alfredo Marceneiro
Na vida duma mulher
Por muito séria que a tomem
Há sempre um homem qualquer
Trocado por qualquer homem
O homem com dor sentida
Ou com sentido prazer
Deixa pedaços de vida
Na vida duma mulher
Embora queiram ou não
Jurando amar um só homem
A mulher não é constante
Por muito séria que a tomem
Tanto vale a mulher bela
Como a mais feia mulher
Perdido de amor por ela
há sempre um homem qualquer
E por mais amor profundo
Por mais juras que se somem
Há sempre um homem no mundo
Trocado por qualquer homem
Na musica do 'Fado Louco' de sua autoria canta a Letra 'IRONIA ou Na vida duma mulher' no programa da RTP
em 1969 'Marceneiro é só Fado' .
Deixar o Fado é morrer
Letra de Henrique Rego
Musica do Fado Menor
Antes que queira não posso
Deixar o fado é morrer
É ele o meu padre nosso
Que vou rezando a sofrer
Se a minha sina é cantar
O fado que é meu e vosso
Como é que o posso deixar
Antes que queira não posso
Sou fadista à moda antiga
Quero cantar e viver
Aprendi numa cantiga
Antes quebrar que torcer
Se o fado tem amargor
É a cantar que o adoço
num misto de graça e dor
É ele o meu padre nosso
É acto de contrição
É credo que nos faz crer
É a mais bela canção
Que vou rezando a sofrer
Alfredo Marceneiro, numa brilhante interpretação do 'Fado Menor' na Letra 'Deixar o Fado é morrer'
O PIERROT
Letra: João Linhares Barbosa
Música: Alfredo Marceneiro
Naquele dia de entrudo, lembro bem
Um intrigante Pierrot, da cor do céu
Um ramo de violetas, pequeninas
À linda morta atirou, como um adeus
Passa triste o funeral, é duma virgem
Mas ao povo que lhe importa, aquele enterro
Que a morte lhe passe à porta, só por erro
Em dia de carnaval, e de vertigem
Abaixo a máscara gritei, com energia
Quem és tu grosseiro que ousas, profanar
Perturbar a paz das lousas, tumulares
E o Pierrot disse não sei, que não sabia
Sei apenas que a adorei, um certo dia
Num amor todo grilhetas, assassinas
Se não vim de vestes pretas, em ruínas
Visto de negro o coração, e resoluto
Atirou sobre o caixão, como um tributo
Um ramo de violetas, pequeninas
Atirou sobre o caixão, como um tributo
Um ramo de violetas, pequeninas
Esta foi a primeira Letra de Fado cantada com versículo e Alfredo Marceneiro criou uma musica própria para ela, mais tarde, também foi o primeiro a cantar o 'Menor com Versículo' coisa que também está devidamente registado na SPA
Esta é a Letra original feita em 1929 gulosada em decassílabos que mais tarde teve de ser adaptada para caber na gravação do Disco
O PAGEM
Letra: Fernando Teles
Música: Alfredo Marceneiro
Todas as noites um pagem
Com voz linda e maviosa
Ia render homenagem
À Marquesinha formosa
Mas numa noite de agoiro
O Marquês fero e brutal
Naquela garganta de oiro
Mandou cravar um punhal
E a Marquesa delirante
De noite em seu varandim
Pobre louca alucinante
Chorando, cantava assim:
Oh minha paixão querida
Meu amor, meu pagem belo
Foge sempre minha vida
Deste maldito castelo
Alfredo Marceneiro canta fado Pagem
BAIRROS DE LISBOA
Letra de Carlos Conde
Musica Fado Pagem de Alfredo Marceneiro
Vamos ambos pela mão
De duas rimas de Fado
Aos Bairros com tradição
Da boémia e do passado
Não quero entrar em despique
Mas se o quisesse fazer
Seria Campo d´Ourique
O primeiro a enaltecer
Mas o Bairro de mais fama
Mais Fadista mais Marujo
É a linda e velha Alfama
Do Norberto de Araújo
Lembra mais a nostalgia
Embora do mesmo agrado
Dum resto de Mouraria
Que ainda tem sabor a Fado
Bairros que o Povo acarinha
Tornam mais bela e fagueira
Esta Lisboa velhinha
Tão Vilhena e menineira
Esse Povo audaz boémio
Que Viveu em sobressalto
Era amigo, era irmão gémeo
Dos faias do Bairro Alto
Entre os bairros de Lisboa
Há um que é sempre criança
Vê lá bem se a Madragoa
Não Vive cheia de esperança
Nunca na mente nos passa
Essa boémia sem par
Que foi de Belém à Graça
De Benfica ao Lumiar
A tradição nunca finda
Ainda ninguém a matou
E o presente vive ainda
Do passado que ficou
E pronto a volta está finda
Para que andar mais à toa
Se Lisboa é toda linda
Se o nosso Bairro é LISBOA
Alfredo Marceneiro e Fernanda Maria em dueto
À música composta para este poema foram também dados os títulos "Estranha forma de vida" e "Foi por vontade de Deus" que Amália Rodrigues internacionalizou
FADO BAILADO
Letra: Henrique Rêgo
Música: Alfredo Marceneiro
À mercê dum vento brando
Bailam rosas nos vergeis
E as Marias vão bailando
Enquanto vários Maneis
Nos harmónios vão tocando
A folhagem ressequida
Baila envolvida em poeira
E com a razão perdida
Há quem leve a vida inteira
A bailar com a própria vida
Baila o nome de Jesus
Em milhões de lábios crentes
Em bailado que seduz
E as falenas inocentes
Bailam à roda da luz
Tudo baila, tudo dança
Nosso destino é bailar
E até mesmo a doce esperança
Dum lindo amor se alcançar
De bailar nunca se cansa
Alfredo Marceneiro Canta o 'Fado Bailado'
CABARÉ
Letra de Henrique Rêgo
Música de Alfredo Marceneiro
Foi num cabaré de feira, ruidoso
Que uma vez ouvi cantar, comovido
Uma canção de rameira, sem ter gozo
Que depois me fez chorar, bem sentido
Era a canção da alegria, couplé novo
Mas a pobre que a cantava, eu bem a vi
Naquela noite sorria, para o povo
E ao mesmo tempo chorava, para si
É que a linda cantadeira, tão formosa
Mais linda do que ninguém, certamente
Sentia a dor traiçoeira, rancorosa
A magoar-lhe o peito de mãe, cruelmente
Tinha um filhinho doente, quase à morte
E a pobre ganhava a vida, só de fel
Cantando a rir tristemente, por má sorte
Uma canção de perdida, bem cruel
CONCEITO
Letra: Carlos Conde
Musica do Fado Bailarico
de Alfredo Marceneiro
Quando eles não valem nada
Não se ganha em discutir
Não é bom servir de escada
Para qualquer asno subir
Há gente que só diz mal
Para se impor, para ser notada
Quem discute menos vale
Quando eles não valem nada
E quem pouco valor tem
Só se vinga em deprimir
O desprezo chega bem
Não se ganha em discutir
Quem maldiz por ser ruim
Nunca vence a caminhada
A nulidades assim
Não é bom servir de escada
Quem vence de fronte erguida
Não se dispõe a servir
Como ponto de partida
Para qualquer asno subir
Alfredo Marceneiro canta 'Conceito' uma letra satírica de Carlos Conde
AMOR DE MÃE
Letra: Henrique Rêgo
Musica do Fado Bacalhau
Há vários amores na vida
Lindos como o amor perfeito
Belos como a Vénus querida
De tantos que a vida tem
Só um adoro e respeito
É o santo amor de mãe
Da mulher desventurada
Nesta vida ninguém fuja
Se ela acaso um filho tem
Deixá-la ser desgraçada
Porque a desgraça não suja
O santo afecto de mãe
Minha mãe amor em prece
Eu sinto tão bem viver
Esse amor que ainda me invade
Que se mil anos vivesse
Não deixaria morrer
Por ti a minha saudade
Se para ser homem Jesus
Precisou que uma mulher
O desse á luz deste mundo
O amor de mãe é a luz
Que torna o nosso viver
Num hino de amor profundo
a cantar 'Amor de mãe'
DESPEDIDA
Letra de Carlos Conde
Musica do Fado Cravo
de Alfredo Marceneiro
É sempre tristonha e ingrata
Que se torna a despedida
De quem temos amizade
Mas se a saudade nos mata
Eu quero ter muita vida
Para morrer de saudade
Dizem que a saudade fere
Que importa quem for prudente
Chora vivendo encantado
É bom que a saudade impere
Para termos no presente
Recordações do passado
É certo que se resiste
À saudade mais austera
Que à ternura nos renega
Mas não há nada mais triste
Que andar-se uma vida à espera
Do dia que nunca chega
Só lembranças ansiedades
O meu coração contém
Tornando-me a vida assim
Por serem tantas as saudades
Eu dou saudades alguém
Para ter saudades de mim
O REMORSO
Letra: João Linhares Barbosa
Musica a Marcha de Alfredo Marceneiro
Batem-me à porta, quem é?
Ninguém responde... que medo...
que eu tenho de abrir a porta.
Deu meia-noite na Sé.
Quem virá tanto em segredo
Acordar-me a hora morta?
Batem de novo, meu Deus!
Quem é, tem pressa de entrar,
E eu sem luz, nada se vê
A Lua fugiu dos Céus
Nem uma estrela a brilhar
Batem-me à porta, quem é?...
Quem é?... quem é?... que pretende?...
Não abro a porta a ninguém...
Não abro a porta ´inda é cedo...
Talvez seja algum doente
ou um fantasma, porém
ninguém responde... que medo.
Será o fantasma dela
da que matei. Não o creio!...
A vida, a morte que importa.
Se espreitasse pela janela,
Jesus! Jesus! que receio
que eu tenho de abrir a porta.
Feia Noite de Natal.
A esta hora o Deus Menino
Já nasceu na Nazaré.
Não há perdão para meu mal
Calou-se o Galo. E o sino
deu meia-noite na Sé.
Continuam a bater
Decerto que é a Justiça
P´ra conduzir-me ao degredo
Matei, tenho de morrer
Oh! minha alma assustadiça
Quem virá tanto em segredo?
Seja quem for, é um esforço
Vou-me entregar que tormento
Que me vence e desconforta.
Ninguém bateu! Oh! remorso
Não é ninguém! É o vento
Acordar-me a hora morta.
Alfredo Marceneiro Canta 'O Remorso'
O Fado era também veículo de contestação, por isso "os poderes constituídos" criaram a Inspeccão Geral de Espectáculos que, através da respectiva Comissão de Censura, censuravam muitas letras. Eis alguns exemplos de versos censurados:
JANELA DA VIDA
Letra: Carlos Conde
Para ver quanta fé perdida
E quanta miséria sem par
Há neste orbe, atroz ruim
Pus-me à janela da vida
E alonguei o meu olhar
P´lo vasto Mundo sem fim.
Vi dar aos ladrões valores
E sentimentos perdidos
Nas que passam por honradas
Vi cinismos vencedores
Muitos heróis esquecidos
E vaidades medalhadas
Vi no torpor mais imundo
Profundas crenças caindo
E maldições ascendendo
Tudo vi neste Mundo
Vi vigaristas subindo
Homens honrados descendo
Esse é rico, e não tem filhos
Que os filhos não dão prazer
A certa gente de bem
Aquele tem duros trilhos
Mas é capaz de morrer
P´los filhinhos que tem
Esta é rica em frases ledas
Diz-se a mais casta donzela
Mas a honra onde ela vai
Aquela não veste sedas
Mas os garotitos dela
São filhos do mesmo pai
Por isso afirmo com ciso
Que p´ra na vida ter sorte
Não basta a fé decidida
P´ra ser feliz é preciso
Ser canalha até à morte
Ou não pensar mais na vida.
O BAILADO DAS FOLHAS
Letra de Henrique Rego
Foi numa pálida manhã de Outono
Soturna como a cela dum convento
Que num vetusto parque ao abandono
Dei largas ao meu louco pensamento
Cortava o espaço a lâmina de frio
Que impunemente as nossas carnes corta
E o vento num constante desvario
Despia as árvores da folhagem morta
Folhas mirradas como pergaminhos
Soltas ao vento como os versos meus
Bailavam loucamente p´los caminhos
Como farrapos a dizer adeus
Das débeis folhas lamentei a sorte
Mas reflecti depois de estar sereno
Que bailar à mercê de quem é forte
É sempre a sina de quem é pequeno
Desde então, o meu pobre pensamento
Fugiu para não bailar ao abandono
Como a folhagem que bailava ao vento
Naquela pálida manhã de Outono
Da autoria de Henrique Rêgo, Alfredo Marceneiro nunca cantou este poema, mas recitou-o de forma brilhante, tendo como fundo musical a música do Fado Menor
Eis aqui o registo